quinta-feira, 30 de agosto de 2007

Enxergando o vazio

Só falta uma xícara de café. Só falta alguém na minha vida. Falta ganhar mais dinheiro. Falta perder dois quilos. Falta um ar condicionado no meu carro. Falta saber falar alemão. Falta sair de casa. Falta um apartamento.
Pontuando os momentos da vida pelo o que falta nela, as pessoas seguem vivendo seu ciclo de insatisfação como se este também fosse o ciclo da vida.
Mas a vida nunca foi tão rica, os sonhos nunca foram tão palpáveis. Tudo se compra, tudo se vende, tudo é possível. Ainda assim, nunca é o bastante. Por que será que quanto mais se tem, mais se quer? O excesso parece fazer com que as pessoas só enxerguem o que falta.
Insatisfeitos com a mão, as pessoas seguem para o braço. Não parece existir um limite para a sede, e o homem segue pedindo mais. Não baste ter saúde, um bom lugar pra morar e o amor da sua vida, as pessoas ainda vão querer dinheiro. E quando elas tiverem dinheiro, elas vão reclamar que falta uma casa na praia, um mestrado e por aí vai uma infinita lista de faltas.
O excesso parece não ter limite. De que adianta reclamar da falta de um sapato marrom escuro se não haverá espaço no armário de sapatos pretos, azuis, vermelhos ou qualquer outra cor do arco-íris? E mesmo se tiver espaço, haverá tempo para usar tantos sapatos se não somos centopéias?
Será que é algo instintivo? Não, pois o instinto é herança dos animais irracionais, e estes se satisfazem com o ciclo de nascer, viver, se reproduzir e morrer. Talvez seja uma fase da civilização. Mas ao considerar que já no Egito Antigo a população já enfeitava o corpo com adornos de ouro, sentindo falta de algo mais, e os faraós, sentindo falta de monumentos religiosos já construíam pirâmides na paisagem, a mania de falta acaba sendo uma característica e não uma fase da civilização.
Talvez seja uma certa necessidade de ter objetivos e territórios a conquistar. Assim, o homem procura o que não têm para conquistar e aquilo já adquirido vai para a prateleira acumular pó. Ou então, quando elas abrem mão do que têm em busca do que querem, a situação se inverte. Assim, quem passa as tardes livres reclama porque falta um estágio, mas quando o estágio aparece, ela reclama do estresse do trabalho e da infelicidade que é trabalhar.
Por falar em trabalho, a mania de enxergar o que falta não é algo que ocorre apenas entre o homem e si mesmo, mas também nas relações humanas. Em uma entrevista de emprego, os candidatos também serão classificados pela negação. “Falta inglês, falta experiência, falta uma boa formação”. Nas relações pessoais, as insatisfações continuam: “falta um pouco de dedicação da sua parte, falta amor, falta beleza, falta perdão”.
As pessoas não perdoam uma falta. Pelo contrário, elas parecem gostar do ciclo vicioso de sentir falta.
Esse não é um mal ocidental. As mulheres do Islã também se enfeitam com fartura, e desejam diferentes jóias e burcas, esperando que isso supra a falta do rosto no corpo feminino. Porém, existem, é claro, pessoas desprendidas do material, centradas e satisfeitas com a simplicidade, como os budistas. Mas, geralmente as pessoas tendem aver o copo com água pela metade meio vazio, e não meio cheio.
Entre tantas faltas, o que realmente falta é tempo para desfrutar de tudo que não falta mais. E no meio de uma vida sem tempo, as pessoas ainda conseguem achar tempo para enxergar o invisível, enxergar o vazio.

3 comentários:

Alberto Pereira Jr. disse...

eu sinceramente não acho que a busca por mais, seja pelo sucesso, seja mais aprendizado, ou acessórios mais bonitos seja algo errado.

Não ter ambição em buscar coisas novas é tão ruim quanto fazer da vida uma busca eterna e tortuante..

afinal, somos um livro em branco e podemos e vamos aprender sempre até o dia em que não respirarmos mais.

Marina Gurgel disse...

Eu nao disse que acho errado, mas acho que tem limites... Todo excesso faz mal

Anônimo disse...

Voce escreve muito bem, esse post seu é sem duvida um dos melhores. Adoro o que escreve...