Sem Palavras

Desde o acidente de moto do meu namorado, estou sem palavras. Estou sem palavras porque a moça que bateu com o carro fugiu, que ele não tinha seguro, porque fomos parar no Pronto Socorro da Lapa, e eu não sei como os médicos de lá conseguem viver consigo mesmos. Sem palavras porque eu achei que os médicos devessem ajudar, mas vi que eles já se acostumaram a não ajudar. Se acostumaram porque é muita gente pra pouco médico, porque falta infra-estrutura e então eles já se acostumaram a tratar os pacientes de qualquer jeito, como por exemplo, dar a injeção local e não esperá-la fazer efeito para começar a costurar o paciente. Qualquer um quer ficar longe de um lugar desses, e não é à toa que o brasileiro é o povo que mais se auto-medica. Estou sem palavras e foi difícil ach-alas, pra perceber que a verdadeira divisão de classes se dá pelo sistema de saúde que cada um pode pagar. Gostaria das minhas palavras de volta, mas elas parecem ter ficado na ambulância, enquanto a ajudante de resgate e toda a sua disposição de salvar vidas me contava que eles não tem para onde levar alguns acidentados, e alguns hospitais mandam os pacientes voltarem. Ou talvez as palavras tenham ficado em um hospital no Ipiranga, vendo o tratamento preferencial que eu ganhava sobre as outras pessoas, ou vendo o moço da cama da frente dizendo que tinha ido para operar o braço e estava lá, internado há dois dias, ainda esperando, sem gesso e em jejum, sua operação no braço que não coube entre as 50 operações realizadas por dia. E estou sem palavras porque depois desse tour por hospitais que queriam deixar a pessoa que eu amo internada por quatro dias, para talvez operea-la na segunda, fugimos do hospital e fomos a um médico particular, que disse que provavelmente não haverá necessidade de uma operação no tornozelo como foi primeiramente diagnoticado e de qualquer forma, se precisar, não se deve operar com um ferimento aberto ao lado. Estou sem palavras, porque não consigo achar nenhuma que responda à pergunta: quem irá nos socorrer?